quinta-feira, 1 de setembro de 2016

I Love You, Lenine

Entre todos os dias estranhos que já passei, nunca nada se assemelha aos dias de perda.

Perda.
Essa palavra estúpida, tão vaga e ao mesmo tempo tão tenebrosa, que aprendi a temer mais do que qualquer outra coisa, mais do que o fim da minha própria existência.
Perda.
Esse vazio avassalador, essa montanha russa de desespero e solidão. Essa porta negra que se abre e nunca mais se fecha.
Perda.

Ontem perdi um amigo. Um grande amigo. O melhor dos amigos. Estava destinado a ser também o melhor amigo do meu filho por nascer. Estava destinado a ser a nossa imagem de marca para toda a vida. Estava destinado a ser o dono da nossa casa para todo o sempre. Mas partiu antes de tempo, muito antes do tempo dele e muito, muito antes do que pudéssemos esperar. De repente veio a doença que não pudemos prever e, num ápice, veio a morte, que o envolveu no seu abraço, o tocou com as suas enormes asas e o levou, levou para longe, para longe de mim, para longe da casa que era dele, para longe de todos nós, que o amávamos como se fosse um igual.

Ontem perdi um familiar, dos mais próximos. Um familiar equivalente a pai, mãe, marido, filho, avós que já não tenho, irmãos que nunca tive. Perdi o primeiro fruto de amor, construído por mim e por Ele, a primeira pedra do nosso lar. Perdi aquele que estava destinado a ser a primeira companhia da outra parte de nós que está a chegar. Desculpa, Filho, que te privei do conforto, do carinho e do calor do nosso felpudo, que te teria adorado e teria adorado mordiscar-te os pés, acordar-te cedo para brincar ou enfiar-te o nariz húmido no ouvido logo pela fresca.

Ontem perdi uma parte de mim. E agora só resta vazio e solidão onde ele um dia esteve. Vagueio pela casa à sua procura, tão grande sem a sua presença pequenina, só encontro restos onde ele tocou, onde ele brincou e onde um dia dormiu sossegadamente. Ele esteve aqui e agora partiu. Foi-se. Foi-se embora para sempre, para um lugar muito, muito longe, para um sítio para o qual não o posso acompanhar, onde não o voltarei a ver. Foi descansar longe da sua casa, longe dos sítios que sempre conheceu, longe de mim. Longe de mim.

Ontem pedi ajuda. Olhei para cima e pedi ajuda, pela primeira vez em muitos anos. Um sinal, pensei, um milagre, um só milagre e eu converto-me, passo a seguir e a adorar quem quer que me esteja a ouvir. Por favor. Mas ninguém ouviu. Ninguém quis saber. Ninguém veio em meu auxílio, nem meu nem dele, que se finou com todo o peso do sofrimento do mundo nas suas costas pequeninas. Ninguém veio porque não havia ninguém para vir. E eu, que quis acreditar, por um minuto, um segundo que fosse que havia compaixão e amor no universo e que tudo o que a racionalidade me diz seria tudo mentira, fui enganada e deixada à minha sorte. Bem aventurados os que têm fé, porque nunca estão verdadeiramente sozinhos, têm sempre a esperança consigo.

Ontem perdi-me. Perdi-o. Para sempre. E eu, que já sofri tantas perdas, a quem já foram roubadas tantas presenças importantes, que assisti ao sofrer e definhar de tantas pessoas boas e de uma riqueza extraordinária que preencheram a minha vida de uma forma única, nunca me senti tão derrotada, tão devastada, tão sozinha, tão impotente e tão miserável como hoje.

Hoje. Hoje a vida parece continuar. Aparentemente, apenas. Para mim, parece que parei no tempo, num tempo negro, fundo, insondável, incerto, interminável, onde algures, no fim dessa estrada, está ele e a sua presença que já não posso sentir, apenas recordar.

Adeus, meu amor pequenino.
Adeus, Lenine.

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